15 fevereiro 2006

Elogio à Ignorância Política

Elogio à Ignorância Política

Por Tassos Lycurgo
www.lycurgo.org

Há bons anos, antes dos cinco de idade, eu entendia a política perfeitamente. Depois, com o tempo, fui gradativamente me tornando mais ignorante, a ponto de hoje em dia não entender quase nada de política. Naquela época, quando criança, a política era para mim simples assim: as pessoas viviam em grupos e, como os problemas que se apresentavam eram muitos (limpar a rua, trocar as lâmpadas quebradas dos postes, asfaltar as avenidas, etc.), fazia-se necessário que alguns homens e mulheres se predispusessem a administrar tais funções. Por isso, pensava eu, existiam os cargos de prefeito, governador e presidente e, para ocupá-los, existiam as eleições e a política.

Depois, quando procurei saber por que existiam vereadores, deputados e senadores, a resposta que me foi dada também foi tão simples que eu naquela idade já pude entender. Disseram-me que eles existiam para fazer duas coisas: em primeiro lugar, para crias as leis, que eram importantes para manter a ordem, pois a vida em comunidade seria um caos (senão impossível) se cada um pudesse fazer o que bem entendesse; em segundo lugar, para fiscalizar aquelas pessoas que eram escolhidas para administrar o uso do dinheiro público. Tudo, na minha cabeça, era perfeitamente organizado e lógico, de forma que eu mesmo me admirava quando alguém escolhia para si a missão de desempenhar tarefas tão árduas como essas de lidar com os problemas amplos e complexos que podem oferecer a administração de um estado ou de uma cidade, por exemplo.

Por falar em dinheiro público, lembro-me que até a questão dos impostos me era óbvia. Ora, disseram-me que nada se fazia sem dinheiro e que, por isso, era preciso que cada um contribuísse proporcionalmente ao que ganhava para que, com o montante proveniente da colaboração imposta a todos, os serviços e as obras que se precisasse fazer fossem feitos. Notava também que as mesmas pessoas que pagavam iriam usufruir direta ou indiretamente desses serviços, o que tornava o argumento justificável, mesmo para uma criança. Ademais, também entendi que as pessoas que administravam as cidades, estados e o país precisavam receber por isso, pois de outra forma não poderiam sustentar a própria família e a si próprios: daí, os salários e as verbas extras.

Depois da infância, tudo começou a ficar mais confuso. Hoje, então, é uma incógnita só: leio os jornais e eles dizem que fulano vai se coligar com cicrano e, se isso acontecer, ele se elegerá. Como assim? Aquela idéia que aprendi na infância de que a democracia é um sistema em que o povo escolhe pelo voto livre o melhor candidato (com o melhor programa) para administrar os interesses da coletividade não serve mais? Parece que nunca serviu: era-me apenas coisa de infância.

O pior para mim é que, mesmo que eu tente aceitar cegamente o que o jornal diz, no outro dia, a notícia que vem estampada é não raramente o contrário exato da do dia anterior. É verdade que eu já havia escutado o jargão “a política é dinâmica” na infância, mas ninguém havia de explicado que era sem direção. Hoje, continuo sem entender: para que serve algo dinâmico que não tem direção: melhor seria se fosse estático, pois pelo menos não estaria desesperadamente indo de um lado para outro e vice-versa até chegar o dia da eleição. Parece aquela brincadeira da batata quente, só que no lugar do tubérculo se tem um mandato.

Pior ainda para o meu entendimento é quando o noticiário diz que um parlamentar somente votará a favor de tal projeto se tais emendas forem liberadas ou, em outras situações, se o governo oferecer alguns cargos para o seu partido. Eu, que na infância pensava que parlamentares deveriam votar com base em suas consciências e que cargos públicos deveriam ser ocupados por pessoas com condições técnicas para desempenhar com brio e propriedade as funções que lhe seriam exigidas, fico perdido e atônito, ainda mais porque me parece que para todo mundo isso é normal e ninguém diz nada.

Sei não... Cá estou eu, mais velho, emburrecendo-me politicamente cada vez mais e o mais estranho é que nasce dentro de mim um prazer mais confuso ainda do que a própria política: cada vez que fico mais ignorante politicamente, vem-me uma sensação tranqüila de que, nesse campo, dessaber mais e mais é a coisa certa. Será?

2 comentários:

Anônimo disse...

Graduar-se na escola da existência trás essa percepção de realidade, muitas vezes dura. O texto, irônico, pergunta, e respondo: o que acontece ao meu ver, é que vc adquiriu sabedoria suficiente ao ponto de perceber o que os ignorantes fazem política. Gostei! A arteira.

Lauro Ericksen disse...

Apesar da visão "desconstrucionista" que apresenta um "quê" de pós-modernismo, há certa coerência em ver que a política é tão dinâmica quanto o movimento browniano... será que algum dia encontraremos uma função extremamente complexa que a descreva?