29 janeiro 2006

Pelo Fim das Bajulices

Pelo Fim das Bajulices
Tassos Lycurgo
www.lycurgo.org

Amabilidade e gentileza nunca foram posturas indesejáveis, mas o cortejo com subserviência, a dita bajulação, parece atingir o limite da ridicularia em que pode habitar a atitude de um ser humano. Como tudo na vida, as raízes da bajulação tangenciam elementos econômicos: o desemprego crescente e a dificuldade de sobrevivência, associados a um sistema que não é fortemente meritocrático (no qual a sociedade se organiza com base no mérito das pessoas), fazem com que legiões e legiões busquem no instrumento da subserviência o caminho para construção de um bajulismo que venha, por sorte, à sustentar tanto as necessidades quanto os desregramentos da vida seus espécimes-bajuladores.

É bem verdade que há graus de bajulação e, talvez, tipos diferentes de bajuladores. De um lado, estão os emotivos, os verdadeiramente bajoujos. O bajoujo é aquele cujos elogios de tão melosos e subservientes provocam nos bajulados conscientes quase a sensação física da náusea, ou seja, a ânsia do vômito. Com efeito, a forma mais fácil de identificar este tipo é através da sua ação. Ele chega de forma forçadamente simpática e, mesmo sem intimidade com o candidato a ser bajulado e antes mesmo de dizer qualquer coisa, tenta ajeitar a sua gravata para, ato seguido, elogiá-la. Creio eu que, das duas, uma: ou o bajoujo sente que está no mundo com uma missão especial (endireitar as gravatas da humanidade) ou então este não sabe que apenas os igualmente superficiais gostam de suas bajulações.

De outro lado, encontram-se os bajuladores da ação. Esta manifestação do bajulismo se dá na submissão de certas pessoas a trabalhos totalmente alheios às funções que normalmente deveriam desempenhar. No serviço público, não raramente se vêem casos dessa estirpe: são, respeitadas as exceções, funcionários que fazem a feira dos seus superiores, que levam os seus filhos para se divertir, que se oferecem para pagar a estada dos seus superiores e de toda a família em hotéis de luxo, etc, sem que tenham uma só justificativa — seja familiar, seja pessoal —, que demonstre cabimento a sua atitude.

De todos os tipos e manifestações do bajulismo, algo os une verdadeiramente: a bajulação é figura infiel à pessoa do bajulado, pois se liga único e exclusivamente ao seu cargo, mandato ou posição em uma dada organização. Assim, é impressionante o que acontece quando os bajulados se aposentam ou ficam sem mandato. As suas mesas, que outrora eram superlotadas nas festas e comemorações, passam a apresentar muitas e muitas cadeiras vazias. Não raramente, aqueles que eram os bajuladores mais aplicados, ao se encontrarem com os agora aposentados, fazem que nem os vêem, em uma manifestação clara de que a pessoa, neste ambiente, nada mais era do que um acessório para o cargo em que estava investido. Há, inclusive, um ditado segundo o qual a soleira da porta da casa do antes bajulado, agora aposentado, cria grama, pois ninguém mais passa por lá, senão o cão que cria ou o ladrão, em momento de descuido.

No que diz respeito ao bajulado, também há dois tipos deles. De um lado, encontram-se os que gostam da bajulação. Essas pessoas mergulham em um sistema psicológico, que me é difícil de em poucas palavras explicar, a ponto de pensar que os elogios subservientes e cheios de segundas intenções que lhe fazem são manifestações verdadeiras do coração do bajoujo. Talvez estejamos falando aqui de pessoas carentes emocionalmente que preferem o elogio falso á ausência deste.

De outro lado, encontram-se os bajulados conscientes, que, por isso, detestam a bajulação. Para essas pessoas, o bajulismo oferece um grande problema: o de identificar quais são as verdadeiras amizades. Aqui, realmente, algo terrível acontece: os bajulados conscientes deixam mesmo de experimentar o prazer de eventuais amizades verdadeiras porque já se encontram tão enojados com a maioria esmagadora dos bajoujos, que preferem a solidão a uma eventual decepção no futuro.

No que tange à tarefa de se saber quais são os amigos verdadeiros, arrisco-me a um palpite: em regra, os verdadeiros amigos são aqueles que se afastam dos que estão exercendo mandatos ou que foram há pouco tempo investidos em cargos de projeção. Esses amigos são os que sempre estarão prontos para quando se precisem deles, mas nunca para os ambientes, tão comuns hoje em dia, em que reina a superficialidade das palavras elogiosas sem o ingrediente da sinceridade.

18 janeiro 2006

A Liberdade dos Fortes

A Liberdade dos Fortes

Por Tassos lycurgo
www.lycurgo.org

Homens e mulheres há de vários tipos. Nietzsche, entre tantos, os dividem em dois blocos: os fortes e os fracos. O forte, homem de espírito livre, é mais valioso do que o fraco, meramente inteligente. Verdadeiramente livre, o forte vive, simplesmente, e é feliz. Os fracos — meramente inteligentes, senão por vezes inteligentíssimos — desenvolvem a sua vida em um pano de fundo traçado pela mais temível das estratégias: a de se afirmarem na vida em função dos outros. A inteligência, para essas pessoas, é como uma ferramenta para se portarem no mundo, como um mecanismo para lhes informar quem eles devem ser em dado momento, dependendo do contexto, das pessoas presentes, dos objetivos que almejam atingir, etc. Encontram espaço, aqui, a dissimulação, o cálculo, o fingimento e a hipocrisia.

De maneira diferente, para o forte — o homem livre —, a inteligência lhe serve de refinamento. Usar a inteligência, para ele, causa sensação semelhante àquela que as crianças demonstram no transcorrer das brincadeiras infantis: um misto de prazer e inocência. Para o homem livre, a inteligência não é um meio, mas um fim: serve-lhe para, principalmente, promover-lhe a visão contemplativa do mundo e de Deus. O forte não precisa da inteligência, pois vive mesmo sem ela. A afirmação de sua vida, diferentemente do que ocorre com os fracos, é um processo que nasce em si, em sua sinceridade e em sua honestidade diante de si e do mundo. A vida, para o forte, é fonte de alegria, de alegria honesta.

O fraco, por sua vez, está a todo tempo tentando postar-se no mundo para conseguir algo. Como não tem personalidade nem identidade próprias, a vida lhe é um fardo, uma tristeza, um caminho espinhoso e, por isso, ele não é livre. O fraco é aquele para quem, como dissera Schopenhauer, a semana se divide em cinco dias de sofrimento e dois de tédio. Resta-lhes, assim, imitar os outros, fazer conluios, armar estratégias, tudo para sentir uma sensação falsa e transitória de alegria que não se compara à alegria do forte, que perdura.

É verdade que, também para o forte, a vida apresenta todas as dificuldades, intempéries e vicissitudes que todos conhecem. Mas, para ele, a possibilidade de lutar contra tais dificuldades já é causa de prazer e alegria. O forte vai à guerra para lutar contra os problemas e sente prazer na própria luta. Ele ama a guerra contra os problemas e, ao final de cada batalha, passa a amar o próprio adversário, esquece tudo e continua a viver como se nada tivesse acontecido. Nesse sentido, o forte chega mesmo a escolher o caminho mais difícil, pois sabe que o enfrentamento da luta é o que o tornará mais vivo; é o que fará com que ele sinta o sangue correr em suas veias, que sinta a beleza extravagante que existe nas folhas, nas pedras, nos trovões, no mar, isto é, na própria existência.

Para o fraco, qualquer problema, por menor que seja, apresenta-se como a mais selvagem das feras. Parece mesmo um muro intransponível, um obstáculo que jamais superará. O fraco, então, disfarça-se, mente, camufla-se e não enfrenta o problema. Prefere despistá-lo ou mesmo ceder até o momento em que possa unir-se com outros fracos (eis o conluio!) para, em conjunto, lutar traiçoeiramente em uma batalha que deveria ser só sua. O desfecho da peleja, nesses termos, será momentâneo e o problema certamente voltará, pois já exerce poder sobre o coração do próprio fraco.

O forte é o verdadeiro poeta e o verdadeiro artista, que são pouquíssimos — se é que ainda existe algum! —, talvez todos desconhecidos, silenciosos e alheios a tudo o que acontece no âmbito mais destacado da rotina humana: o da futilidade, que jaz na superficialidade do que é hoje de um jeito e amanhã de outro, ou seja, de tudo o que é transitório. Eis por que as coisas que perduram, definitivamente, não encontram o menor espaço nas preocupações da maioria da humanidade. Resta a eles, os fortes, viverem a sua vida alegremente, contemplando o valor estético que reside na tragédia da coexistência, em uma só época, de tristes homens com vidas mais tristes ainda.