06 fevereiro 2008

Política e Cultura

Política e Cultura

por Tassos Lycurgo - www.lycurgo.org

Os campos da cultura tornaram-se enfadonhos. Nos encontros de temas afeitos a essa temática seria bom se víssemos a todo tempo os posicionamentos originais, únicos, desafiadores; ou seja, aqueles que subvertem o pensamento e fazem repensar conceitos e perspectivas. Em regra, não é o que ocorre. Aliás, para sermos honestos, podemos dizer que muitos dos encontros culturais são, quase sempre, repetições sem graça, sem originalidade e tão insossos que, comparada a eles, água mineral mataria de hipertensão. O coquetel de abertura desses eventos ou a cerimônia de entrega de prêmios, por exemplo, são quase sempre sofríveis: bajulações sem-fim, protocolos, idem.

É bem verdade que a vantagem do protocolo, como dizia o Azambuja, é que em sua ausência, duas coisas aconteceriam: ninguém administraria as vaidades e ninguém sentaria. Como em pé somente a turma que não tem outras opções consegue ficar durante todo o tempo, podemos conciliar as duas noções: o protocolo é aterrorizante, embora essencial para que sentemos; mas quanto à bajulação, devo dizer, não há saídas: é mesmo o fim do mundo, de forma que, nos eventos culturais, a situação é tão crítica que há casos em que muitos sentem – embora não o admitam publicamente – que o melhor momento é o do intervalo.

Para piorar a situação, a política cultural, por vezes, é absolutamente desvirtuada. Alguns políticos se aproveitam da cultura para atacar adversários. Ora, isso faz com que grande parte do que se produz hoje nesses eventos não passe, na realidade, de uma manifestação primitiva e traiçoeira de um confronto eleitoreiro de egos em um ambiente no qual os digladiadores são significantemente piores do que os guerreiros de antigamente, pois a frouxidão e semblantes pálidos que aqueles apresentam não os permitem enveredar logo para o duelo, para confronto direto, no qual pesam muitos quês de selvageria e incivilidade — é verdade —, mas, pelo menos, os oponentes saberiam para que lá se encontravam e as armas seriam conhecidas. A batalha aberta – mesmo a batalha intelectual aberta – é sempre honesta, seja porque, exceto a da honestidade, não há regras a descumprir, seja porque, quando as há, não remanesce tempo para descumpri-las; o subterfúgio é que é a arma detestável e, infelizmente, é a mais usada.

A aparência de intelectualidade que se tentam a todo custo imprimir alguns personagens dos eventos culturais, nesses termos, é em grande parte uma farsa, pois camufla desejos pequenos e vaidades idem, quando deveria enaltecer valores incompatíveis com tudo o que é mesquinho e pequeno. Ora, o uso da cultura – universal, mesmo quando regional – com intuitos eleitoreiros ou pessoais faz aparecer aos montes homens que, em vez de enfrentarem idéias e pessoas de forma honesta e limpa, vão pelos lados, como as baratas. Mentem e fazem do seu agir o instrumento da dissimulação. Confabulam por trás, armam estratégias eleitoreiras às escuras, reúnem-se entre si, tudo para impor ao adversário ausente alguma dose de veneno, uma desvantagem, um golpe baixo, como se o pensamento cultural devesse se prestar a isso.

Sabemos que as baratas, assim como esses homens, não atacam diretamente: agem pelos cantos, pelas costas, contaminando tudo o que podem. O ardil, no lugar da honestidade, é a arma predileta delas, quando não a única. Sorrateiramente, aproximam-se e esperam o momento propício para agir e, quando nunca se espera, quando não se pode guerrear, quando se está com a luz apagada, fazem o seu trabalho sujo, para fugir à inicial batida ou ao sinal da primeira lâmpada a ser acesa. Os políticos desse tipo são as baratas e, a despeito disso, conseguem os almejados votos. É que muito deles se lançam por certos caminhos com o intuito de, conquistando a superficialidade, mostrar uma falsa profundidade para alguns eleitores, seja porque os que eles arregimentam para vê-los são míopes, seja porque as idéias que professam são turvas, impenetráveis e, por isso, sempre oferecem aqui ou acolá uns quês de esoterismo, os quais, no entendimento de muitos, toma a roupagem esquisita da sabedoria.

Guimarães Rosa já fizera em algum lugar a comparação entre homens e rios. No caso desses políticos, eles seriam rios de águas tão embaciadas que pouco se veria a dez centímetros de profundidade, inda que nunca se soubesse se há efetivamente algum hiato entre a superfície e o fundo do riacho. Os políticos que são riachos rasos, portanto, são mais perigosos do que os apenas de águas turvas, pois impõem a todos os que mergulham em suas propostas o iminente perigo de, no pulo, quebrar o próprio pescoço; e, por fim, o pior é que, se olharmos bem, veremos muitos eleitores de pescoço quebrado.