31 dezembro 2007

A Esquizofrenia do Artista

A Esquizofrenia do Artista

Por Tassos Lycurgo
http://www.lycurgo.org/

Às vezes, em noites bem escuras, tais quais as que se dão — e mesmo se doam — quando estamos fora da cidade, olhamos para o céu com o único intuito de visualizar outras galáxias e ter novos pensamentos. Nesses instantes, nada senão o sentimento da humildade é que, sem delongas, nos povoa todo o recheio do crânio e, de logo, impõe-se o mais temível dos corolários: este planeta Terra é pequeníssimo e, em certas escalas de proporcionalidade, fica assim minúsculo, como o ponto final que encerra este parágrafo.

Na juventude, sempre pensei nestes termos: somos quase nada diante da grandiosidade do universo e, assim, esta idéia de nossa insignificância cosmológica realmente me era algo tão impressionante que se me apresentava com aspectos de terror. Ora, as estrelas nunca me emitiram sinfonias cintilantes — como parecem fazer quanto aos poetas —, mas um burburinho horríssono que não me permitia esquecer que nós, seres humanos, não passamos de argueiros, grânulos ou, se preferem, poeiras diante do Cosmos.

Depois da juventude, paradoxalmente, embora os anos, com algum esforço, me tenham imprimido certos quês, mas não tantos, de maturidade, olhar para as galáxias já não me provocava a emoção de outrora. Envelhecia e, de certa forma, assim como quem lê um poema e o descreve como tinta sobre papel, as luzes do Cosmos passaram a ser para mim semelhantes àquelas do escritório ou da sala de jantar: simples e tristes agrupamentos de fótons, de cujas funções destacava-se a de manter viva a insistência de afastar a noite sem os inconvenientes do dia.

Tristes perspectivas as que obstinadamente me martelavam o princípio da identidade, o mais sensabor de todos os três da lógica ortodoxa. Um fóton é um fóton; uma estrela é uma estrela; um ser humano é um ser humano, etc. Faltava-me a perturbação do pensamento, a insurreição dos conceitos, a liberdade de saber que, no jogo das coisas importantes, o todo pode mesmo ser menor do que a parte, dependendo das semânticas subversivas que imprimimos ao mundo, ao nosso mundo. Aqui, no aspecto subversivo, jaz a arte.

A arte é, em certa medida, a expressão da subversão, pois tenta, mesmo que malsucedidamente, fazer da simples pincelada a afônica voz que, em silencioso desespero, procura a todo custo bramir o indizível. O que importa é a tentativa. O que importa é o espanto. Diante do mundo inteiro e de cada pequena coisa, há escondidos um mistério e uma incógnita para serem apreciados, pintados, representados, mesmo que nunca se consiga expressar o espanto que verdadeiramente se sentiu diante do mundo contemplado. O mister do artista — o que genuinamente vive a arte — é, portanto, uma atividade solitária que inutilmente quer ser coletiva, pois morre no fracasso de tentar transpor a barreira da impossibilidade, que é dizer o que a linguagem tristemente não consegue dar conta.

O “nunca mais” do corvo de Poe ingressa em âmbito bem mais agudo e estabelece a sina do artista: “nunca jamais”, pois o que verdadeiramente importa não é apreendido pela linguagem, de forma que ao artista resta dedicar-se por toda a vida a uma tarefa irrealizável, sabendo que o prazer não poderá estar na conquista, mas apenas no processo da tentativa. Quando muito, deve o artista se auto-esquizofrenizar artisticamente, para que, trazendo tudo o que existe para dentro de si, possa tornar-se, mesmo que individualmente, o mundo inteiro. Assim, ao tentar comunicar o mundo, o artista comunicará a sua alma, dando a impressão — simples impressão — de que conseguiu subverter a impossibilidade de comunicar o incomunicável.

Neste ponto — no da esquizofrenia artística —, penso que Deus não mais tirará do artista a capacidade de se maravilhar com a vida e, portanto, de se tornar quem realmente é: um obstinado em buscar o inalcançável, tendo prazer nas procuras, nas tentativas necessariamente fracassadas, em que as noites escuras, com suas galáxias e mistérios, dirão toda a verdade para o artista, que nunca conseguirá dizer o que ouviu. Os artistas são, portanto, os seres que foram por toda vida condenados ao silêncio de sua arte, mesmo que, aqui, se trate do silêncio que grita.