18 janeiro 2006

A Liberdade dos Fortes

A Liberdade dos Fortes

Por Tassos lycurgo
www.lycurgo.org

Homens e mulheres há de vários tipos. Nietzsche, entre tantos, os dividem em dois blocos: os fortes e os fracos. O forte, homem de espírito livre, é mais valioso do que o fraco, meramente inteligente. Verdadeiramente livre, o forte vive, simplesmente, e é feliz. Os fracos — meramente inteligentes, senão por vezes inteligentíssimos — desenvolvem a sua vida em um pano de fundo traçado pela mais temível das estratégias: a de se afirmarem na vida em função dos outros. A inteligência, para essas pessoas, é como uma ferramenta para se portarem no mundo, como um mecanismo para lhes informar quem eles devem ser em dado momento, dependendo do contexto, das pessoas presentes, dos objetivos que almejam atingir, etc. Encontram espaço, aqui, a dissimulação, o cálculo, o fingimento e a hipocrisia.

De maneira diferente, para o forte — o homem livre —, a inteligência lhe serve de refinamento. Usar a inteligência, para ele, causa sensação semelhante àquela que as crianças demonstram no transcorrer das brincadeiras infantis: um misto de prazer e inocência. Para o homem livre, a inteligência não é um meio, mas um fim: serve-lhe para, principalmente, promover-lhe a visão contemplativa do mundo e de Deus. O forte não precisa da inteligência, pois vive mesmo sem ela. A afirmação de sua vida, diferentemente do que ocorre com os fracos, é um processo que nasce em si, em sua sinceridade e em sua honestidade diante de si e do mundo. A vida, para o forte, é fonte de alegria, de alegria honesta.

O fraco, por sua vez, está a todo tempo tentando postar-se no mundo para conseguir algo. Como não tem personalidade nem identidade próprias, a vida lhe é um fardo, uma tristeza, um caminho espinhoso e, por isso, ele não é livre. O fraco é aquele para quem, como dissera Schopenhauer, a semana se divide em cinco dias de sofrimento e dois de tédio. Resta-lhes, assim, imitar os outros, fazer conluios, armar estratégias, tudo para sentir uma sensação falsa e transitória de alegria que não se compara à alegria do forte, que perdura.

É verdade que, também para o forte, a vida apresenta todas as dificuldades, intempéries e vicissitudes que todos conhecem. Mas, para ele, a possibilidade de lutar contra tais dificuldades já é causa de prazer e alegria. O forte vai à guerra para lutar contra os problemas e sente prazer na própria luta. Ele ama a guerra contra os problemas e, ao final de cada batalha, passa a amar o próprio adversário, esquece tudo e continua a viver como se nada tivesse acontecido. Nesse sentido, o forte chega mesmo a escolher o caminho mais difícil, pois sabe que o enfrentamento da luta é o que o tornará mais vivo; é o que fará com que ele sinta o sangue correr em suas veias, que sinta a beleza extravagante que existe nas folhas, nas pedras, nos trovões, no mar, isto é, na própria existência.

Para o fraco, qualquer problema, por menor que seja, apresenta-se como a mais selvagem das feras. Parece mesmo um muro intransponível, um obstáculo que jamais superará. O fraco, então, disfarça-se, mente, camufla-se e não enfrenta o problema. Prefere despistá-lo ou mesmo ceder até o momento em que possa unir-se com outros fracos (eis o conluio!) para, em conjunto, lutar traiçoeiramente em uma batalha que deveria ser só sua. O desfecho da peleja, nesses termos, será momentâneo e o problema certamente voltará, pois já exerce poder sobre o coração do próprio fraco.

O forte é o verdadeiro poeta e o verdadeiro artista, que são pouquíssimos — se é que ainda existe algum! —, talvez todos desconhecidos, silenciosos e alheios a tudo o que acontece no âmbito mais destacado da rotina humana: o da futilidade, que jaz na superficialidade do que é hoje de um jeito e amanhã de outro, ou seja, de tudo o que é transitório. Eis por que as coisas que perduram, definitivamente, não encontram o menor espaço nas preocupações da maioria da humanidade. Resta a eles, os fortes, viverem a sua vida alegremente, contemplando o valor estético que reside na tragédia da coexistência, em uma só época, de tristes homens com vidas mais tristes ainda.