26 junho 2006

A Saudade

A Saudade

Por Tassos Lycurgo
www.lycurgo.org

Confesso que, a despeito das minhas inúmeras tentativas, nunca aprendi muito bem para que servem as palavras, mas o contrário disso, ou seja, entender para que desservem, sempre foi a minha especialidade. Entre tantos vocábulos que, a meu sentir, não apresentam qualquer serventia, encontra-se a palavra “fim”. Ora, “fim”, com suas únicas três letrinhas, não é capaz de aniquilar completamente com nada, de extinguir por definitivo nenhuma situação, mantendo ainda na existência o que, nos termos que a palavrinha quer dar a entender, deveria de muito já ter acabado.

Como daria um trabalho enorme defender a tese de que deveríamos oferecer mais noventa e sete letras à palavra “fim”, já que absurdamente só tem três, uma alternativa seria dar mais vigor às que lá já se encontram. Uma idéia nesse sentido seria a de se determinar que elas trouxessem em si, respectivamente, um “f” de fogo, um “i” de incêndio e o “m” de maçarico. Teríamos, assim, uma palavra “fim” incendiária, que aniquilaria e exterminaria tudo que encontrasse... Bem, quase tudo, pois, mesmo depois que ela, embora pequenina, queimasse tudo até o ponto de se pensar que nada mais ali restaria, lá ainda se poderia ver aquele conhecido montinho, o de cinzas.

É fato que depois do incêndio, por pior e mais devastador que seja, ainda estarão lá as cinzas, que, no estranho mundo dos desserviços das palavras, deveriam, isso sim, ser chamadas de “saudade”. É isso: a saudade é um monte de cinzas, que ainda resta depois da ação do fogo, do incêndio e do maçarico. Se pelo menos nascêssemos chamando as cinzas de saudades, saberíamos desde cedo de alguma coisa.

Saber de alguma coisa, nada obstante, é saber de quase nada, principalmente quando o assunto é a saudade. Realmente, a saudade é o mais peculiar dos sentimentos. Note que a angústia, a dor moral e o desespero, que não são saudade, doem como algo que está nos cortando de dentro para fora, nos ferindo, nos mutilando. A dor física e a inveja, por exemplo, doem de fora para dentro. Tanto esse tipo de sentimentos quanto aquele, às suas maneiras, nos ferem, mas a saudade, diferentemente de tudo isso, não golpeia, mas é o próprio corpo ferido e golpeado.

A saudade, tal como um corpo escoriado, esfolado, dói, é fato, mas dói porque nos sentimos incompletos, porque nos sentimos menos do que somos e, diante disso, a sensação é a de que não podemos fazer nada, pois fazer algo contra a saudade seria fazer algo contra nós mesmos, já que ela, de forma diversa do que acontece com os outros sentimentos, não está presente em nós, mas é a nossa própria personificação.

Em outras palavras, pode-se dizer que a saudade é um sentimento de incompletude potencializada pela impotência e, por isso, não é a dor da mutilação, como muitos assim o pensam, mas a dor da constatação de que se está mutilado. De fato, conforme já disse, é o único sentimento que se confunde com aquele que o sente e é exatamente por isso que não há saudade como algo isolado, mas apenas no sujeito que sofre, ou seja, nas lágrimas que ele não chorou, no grito que ele não gritou e no parágrafo que ele nunca escreveu.

3 comentários:

Anônimo disse...

Antonio Machado, in Soledades (1899-1907)

III
La plaza y los naranjos encendidos]
con sus frutas redondas y risueñas.

Tumulto de pequeños colegiales
que, al salir en desorden de la escuela,]
llenan el aire de la plaza en sombra]
con la algazara de sus voces nuevas.]

!Alegría infantil en los rincones
de las ciudades muertas!...
!Y algo nuestro de ayer, que todavía]
vemos vagar por estas calles viejas!]

Anônimo disse...

hehe, adorei a crônica A saudade, como pensei, és um mestre das palavras!!
Sephora

Anônimo disse...

É como a palavra tudo junto q é separada, e separado é tudo junto.